Se há coisa que oiço vezes incontáveis é "Mas porque raio é que estás aqui a estudar se queres jogar xadrez?". Isso e a clássica "Devias tirar um curso de ensinar desporto antes de ensinares alguém"! Ah, e os seus companheiros "Mas os jogadores de xadrez não tiram todos matemática ou medicina?" e "Tirasses deposto se és atleta!". Daí ter necessidade de escrever num post as minhas razões para estudar direito e seguir a minha carreira desportiva ao mesmo tempo.
Primeiro, o xadrez é um meio mais difícil do que a maioria dos desportos ou artes, exigindo uma dedicação enorme. Logo, exigindo um investimento de tempo e dinheiro e, no ponto onde estou, dedicar-me só ao xadrez seria impossível, principalmente num clube amador, onde não pode haver patrocínios e num país como Portugal, onde não há ajudas nem subsídios. Preciso provavelmente de uma segunda profissão para sustentar o meu sonho, daí tirar um curso para exercer a dita profissão.
Depois, porque o meu curso me dá competências para a minha profissão que eu não conseguiria encontrar em mais lado nenhum. Podem pensar que direito não faz nada por um atleta, mas as minhas funções vão muito para além de simplesmente jogar. Há funções diversas que um atleta desempenha muito para além da parte desportiva. E provavelmente irei ser chamada a desempenhar as mesmas nos próximos anos e terei de estar preparada. Há a parte da arbitragem, a parte da dirigência desportiva, das camadas jovens. E aí um curso de direito ajuda demais. Além de que conhecimentos do direito do desporto é uma coisa que muitos atletas não têm e que faz falta, acreditem.
Por último, temos a tradição. Nos seus primórdios, só podias ser atleta da Académica se estivesses a estudar e a tradição ainda faz com que sejamos conhecidos como "os estudantes" embora muitos não sigam estudos superiores. Até porque a universidade nos dá acesso a determinadas provas. Daí ser importante para mim cumprir a tradição do estudante atleta.
Seguir um curso superior quando queremos uma profissão não directamente associada a este não é tirar o lugar a outros. Quando trabalhamos para isso, merecemos. Não sinto que esteja a tirar o lugar a alguém que só sonha com advocacia. Sinto que quem entra num curso que não quer e que sabe que não será feliz ali rouba muito mais o lugar. Eu sei que estou no sítio certo. Por mais que em princípio o meu futuro passe por tabuleiros e não por tribunais. Porque o que é que eu sabia antes do direito do desporto antes deste último ano lectivo? Quase nada, praticamente. Hoje posso pegar numa regra da FIDE de uma maneira muito mais crítica. O xadrez não é uma área incidida pelos génios do direito do desporto, mas aprendo a como descobrir coisas sobre ele e a especializar-se nele na faculdade. Nenhum dos meus amigos do trabalho é da minha área daí eu sentir que faço algo importante no grupo estudando direito. Por isso sim. Um profissional de xadrez tem todo o direito a tirar um curso que a pessoa que quer ser médico ou advogado. E mesmo que não siga mestrado em direito do desporto (o mestrado ainda está tão longe para decidir qual prefiro e será mais benéfico à minha carreira no xadrez!) já levo daqui competências para a vida. E ainda bem.
